quinta-feira, 9 de agosto de 2018

OXUM – Cachoeira, ouro, espelho e ovos



O Trono do Amor é um dos sete tronos divinos revelados pela doutrina da sagrada umbanda de Rubens Saraceni. De acordo com esse estudo, Oxum rege essa irradiação de forma positiva, irradiadora e agregadora, opostamente a Oxumaré, que se encontra no polo negativo do mesmo. Apesar de seus campos de atuação na natureza serem as águas doces, sobretudo rios e cachoeiras, seu elemento é mineral. A origem de seu nome se dá por um rio homônimo localizado na Nigéria que até os dias atuais possui um culto próprio.
Por agir em campos emocionais, sua atuação pode causar a liberação da retenção do sentir através do choro, fazendo manifestar sua cachoeira em olhos humanos. As cachoeiras nos remetem à ideia de ininterrupta doação, assim como as águas doces se doam constantemente para o mar e Oxum nos doa incessantemente seu amparo e amor. Também, a fluência das águas e sua constante adaptação ao meio, ora correnteza forte, ora calmaria, nos trazem a maleabilidade e resiliência necessárias para lidarmos com o fluir da vida. A persistência das águas dos rios, sempre correndo pelo planeta conduzindo a vida, se encontra dentro de nós como o sangue correndo em nossas veias transportando os nutrientes necessários para nossa manutenção.


Dentro da vasta sabedoria africana, existe um Itan que revela a importância de Oxum no panteão dos orixás. Conta-se que nos tempos antigos, quando os orixás chegaram a Terra enviados por Olorum, ficou estipulado que apenas os orixás masculinos realizariam as reuniões necessárias para tomadas de decisão e discussões dos mais diversos assuntos. Nesse ínterim, enquanto os encontros ocorriam, Oxum decidiu mostrar o porquê de isso ser um equívoco sem tamanho. Sendo assim, com o intuito de demonstrar a importância de sua presença, secou todas as fontes de água doce do planeta e tornou todas as mulheres incapazes de conceber.
Algum tempo depois, percebendo que nada prosperava, os orixás decidiram procurar Olorum para explicar que, apesar de todos os esforços, tudo ia mal no planeta. Sendo ele o Criador do universo, questionou àqueles deuses-homens onde se encontrava Oxum. Foi dessa maneira que se clareou o entendimento da presença do Amor que, nesse ocorrido, personificou-se em forma Dela. Quando devidamente integrada, Ela ordenou que a água voltasse a brotar das terras secas e que os úteros voltassem a conceber a vida. Assim, a felicidade e a prosperidade retornaram ao planeta. Para além do óbvio de que sem amor não existiria vida, sem Oxum não existiria nada. Ela é yalodê, ou seja, considerada a mulher mais importante da tribo.
A simbologia que contorna essa Mãe vai muito além da água doce.  Algumas vezes, encontramos sua forma grávida, sinalizando seu domínio sob a fertilidade, a concepção da vida e sua proteção sob as mulheres nesse estágio. Por esse motivo, é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição no Brasil e, ainda, com Nossa Senhora Aparecida, por esta ter tido seu milagre realizado dentro de um rio.

ESPELHO
A respeito de seu espelho, símbolo mais representativo dessa yabá, ensina-nos um outro Itan que Xangô - à época dos fatos também casado com Iansã – não escondia sua preferência conjugal por Oxum. Aquela, muito enciumada do fato, aproveitou um dia em que Oxum estava se banhando em suas águas sob a luz do sol para se vingar da suposta rival e, assim sendo, investiu contra ela. Como a personalidade de Oxum não é afeita às armas nem à agressividade, ela apenas virou seu abebé (nome dado a seu espelho) na direção da rival, o que fez com que a luz do sol a cegasse e os ataques cessassem. A vitória da mãe do Amor reafirmou a preferência antiga de Xangô e nos abre espaço para inúmeros aprendizados a respeito desse instrumento.

Semelhante aos fatos narrados, na mitologia grega também encontramos a mesma função para o reflexo, quando Perseu derrotou Medusa fazendo-a olhar a si mesma em seu escudo espelhado. A analogia nos remete impreterivelmente a máxima grega: conhece a ti mesmo. Espelho é também símbolo de consciência, de revelação do inconsciente, sendo encontrado em um vastíssimo número de histórias míticas, algumas vezes como portal para outras dimensões, como arma ou como instrumento magístico. Unanimidade nos estudos espirituais de diversas linhas da humanidade, não deve ser confundido em Oxum com sua aparente contradição de futilidade e vaidade. Ele é, além de autoconhecimento, amor próprio e vetor de autorreflexão. Está, nesse caso, associado à lua que, como ele, reflete a luz solar sem a gerar em si e também ao feminino e ao autocuidado.

OURO
                Não por acaso, o ouro também é diretamente ligado a essa orixá. É considerado por toda a humanidade como o metal mais precioso encontrado, sendo símbolo do que existe de mais perfeito na natureza. É luz solar cristalizada cuja transmutação é objeto de desejo dos alquimistas. No caso de Oxum, é a prosperidade consequente do amor, a nobreza da consciência de caráter divino e a preciosidade desse mistério. Na esquerda de seu Trono, encontramos a falange de Exu do Ouro, seres que trabalham diretamente sob sua irradiação e evoluem através do trabalho dentro dessa hierarquia.

OVOS
                Dentro de seus símbolos encontramos, ainda, a galinha e seus ovos. O ovo é o maior símbolo de fertilidade encontrado no reino animal e, não por acaso, tem uma coloração amarelada em sua gema que contém potencialidade de vida. É muito utilizado na ritualística africana. Em um itan de Oxalá, no qual a Morte assolava toda a população de uma localidade, trazendo sofrimento e terror aos moradores, ele ordena que seja feito uma grande oferenda de galinhas pretas pintadas com giz branco para espantá-la. As galinhas são, nesse sentido, símbolo máximo da vitória da vida sobre a Morte.  Assim como a galinha protege seus pintinhos, Oxum protege a seus filhos com todo seu amor debaixo de suas asas. Ora yeyeô!

REFERÊNCIAS